quinta-feira, 5 de abril de 2012

Polêmicas acerca do mandato

POLÊMICAS ACERCA DO MANDATO (2)


(Texto elaborado em Belo Horizonte em 2006) 
 
Pode haver procuração sem mandato?

A segunda questão que se impõe é sobre a forma escrita da outorga de poderes, conhecida como procuração. Pode haver procuração sem mandato, sem prejuízo da idéia de representação deste tipo contratual?

O Código Civil de 2002 mantém, infelizmente, certa confusão, ao afirmar, no art. 653, parte final, que “a procuração é o instrumento do mandato”. A redação vem do Código de 1916. Aparecia no projeto de BEVILÁQUA e constou do Código que recebeu seu nome até a revogação deste.
Não obstante, ORLANDO GOMES esclarece que:

Esse ato jurídico unilateral [de outorga de poderes] carece, em nossa terminologia jurídica, de expressão que o designe inconfundivelmente. O termo procuração, que o definiria melhor, é empregado comumente para designar o instrumento do ato concessivo de poderes, mas tecnicamente é o vocábulo próprio.1


Buscando sentido técnico, sugerimos que a parte final do art. 653 do Código Civil de 2002 seja interpretada assim: “nos casos em que a lei exija o mandato por escrito, este se materializará na procuração”.

De se observar que, naturalmente, nos casos em que a lei não exigir a forma escrita para o mandato, não haverá necessidade procuração2; a outorga de poderes poderá se dar verbalmente. Reforça nosso entendimento o dispositivo do art. 655 do Código Civil, o qual estipula que “o mandato pode ser expresso ou tácito, verbal ou escrito”. O Código Beviláqua trazia, no art. 1.290, a mesma disposição, ipsis literis.

Ainda, na esteia do raciocínio de ORLANDO GOMES, se “para que o mandatário possa cumpri-la [a obrigação contratual], é preciso que o mandante lhe outorgue o poder de representação”, então, nos casos de mandato verbal, também a outorga de poderes será verbal, e integrante do mandato. Se assim não fosse, forçoso seria reconhecer que nesses casos o mandatário praticaria os atos sem que lhe houvessem sido outorgados os poderes de representação, o que seria uma conclusão tautológica.

Ora, podemos então concluir que pode haver mandato sem procuração, mas, justamente por não confundirmos esta com a outorga de poderes, não advogamos a tese do mandato sem representação.

Não obstante tudo o que já se afirmou, pode haver procuração sem mandato. Para nós, tal é o que ocorre quando a procuração não nasce do acordo de duas vontades — em que uma parte, o mandatário, obriga-se a praticar os atos determinados pela outra, o mandante, em nome deste. Afinal, contrato presume mais de uma vontade. O ato seria uma mera outorga de poderes — até aqui, ato jurídico unilateral — mas estaria dado o primeiro passo para a celebração de um contrato de mandato. Contudo, no momento em que o outorgado praticar qualquer ato em nome do outorgante, dentro dos poderes a ele conferidos pela outorga, aperfeiçoar-se-á o contrato, pois nesse instante a vontade do mandante encontra a vontade do mandatário (que até então não o era) e com ela se harmoniza. Nas palavras de BEVILÁQUA, “como em todos os contratos, a aceitação é necessária para a perfeição do mandato. E poderá ser expressa ou tácita esta aceitação.”3

Com isso pensamos ter resolvido as questões de se poderia haver outorga de poderes anterior ou posterior ao mandato. Concluímos, finalmente, que, no primeiro caso, trata-se de um primeiro passo para celebração de um contrato de mandato, o qual, entretanto, até aquele momento não está perfeito; no segundo caso, tratar-se-ia de contrato preliminar de mandato.

Em suma, é nosso entendimento que não pode haver mandato sem representação.

REFERÊNCIAS

1 GOMES, Orlando. Contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. P. 414.
2 Para efeitos deste trabalho, compreendemos procuração como forma escrita da outorga de poderes.
3 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Obrigações. ed. histórica. Rio de Janeiro: Rio, 1977. P. 272.

3 comentários:

  1. Considerando que procuração é o instrumento escrito da outorga de poder e mandato um contrato de representação, pode-se dizer que há mandato sem procuração (acordo verbal), mas não mandato sem representação, já que esta é o objeto do contrato.
    É possível arguir também sobre a possibilidade de uma procuração sem mandato, isso ocorre na fase preliminar do contrato, quando uma das partes redige uma procuração, o que seria a demonstração da sua vontade de outorgar poderes de representação para a outra, mas não constituiria ainda o mandato pois, se tratando de um contrato, estaria faltando o acordo de vontades alcançado através da aceitação expressa ou tácita da proposta para a sua formação.

    Luísa Azevedo Brugnoli Ribeiro - 6o período C

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  2. Quando tratamos da questão da procuração se faz necessário levar em consideração que, no caso do mandato, ela não é pressuposto essencial para a configuração do mandato. A essência do mandato está na outorga de poder.
    O pressuposto inicial de uma relação jurídica é o acordo de vontades e a existência de partes. Sendo isso posto e levando em consideração que o mandato tem como fonte a representação do individuo imbuído do poder para tomar uma decisão autorizada e prevista pelo mandatário, fica dispensada a essencialidade da procuração. Isso porque ela somente é um instrumento que coloca em termos legais algo já pré-estabelecido na relação inter partes. Fato ainda mais comprovado pois quando em uma fase preliminar se constrói uma procuração ela pode prever uma outorga de poderes futura, o que não configuraria por si só o mandato, que se dá no momento exato da outorga de poder de ação.

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  3. Como podemos perceber no artigo do Professor Felipe Quintella, como requisito necessário para a constituição do contrato de mandato temos a outorga de poder. Esta pode se dar de varias maneiras, podendo ser celebrada na forma expressa ou tácita, verbal ou escrita, excetuando os tipos desse contrato que a lei exigir forma de determinada.
    Pode discutir ainda que se tem a possibilidade de ter uma procuração, instrumento escrito de outorga de poderes, mas não se constituir um contrato de mandato,quando por exemplos encontramos vícios nesse instrumento escrito, como coação no momento de sua produção, não se constituindo ai a concordância de duas ou mais partes, elemento essencial a esse tipo de contrato.

    Moises Silvério Diniz Azevedo - 6o periodo - Turma D

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