quinta-feira, 5 de abril de 2012

Polêmicas acerca do mandato

POLÊMICAS ACERCA DO MANDATO (1)


(Texto elaborado em Belo Horizonte em 2006) 
 
Pode haver mandato sem representação?    

Não somente BEVILÁQUA, como também WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, CAIO MÁRIO e CÉSAR FIUZA, entre outros renomados civilistas, concordam que a representação é ponto-chave da idéia de mandato.

BEVILÁQUA pontua:

O que caracteriza o mandato, o que o distingue de qualquer contrato, é a representação. Por ele, o mandatário representa, faz vezes ao mandante. Em nenhuma outra relação jurídica, oriunda de contrato, se dá essa substituição de pessoas, de modo que uma apareça como um prolongamento, uma projeção da outra.1 

Nas palavras de WASHINGTON DE BARROS, “o que caracteriza o mandato é a idéia de representação, suprema, básica, fundamental, não figurando em outros contratos” .2 O autor alerta, não obstante, para que “não se perca de vista que a mesma idéia existe em outras relações jurídicas [não contratuais]”.3

CAIO MÁRIO, por sua vez, explica que “no direito brasileiro, como no francês, no português etc. a representação é essencial (...)”.4

Já CÉSAR FIUZA assevera que “logo de início, cumpre esclarecer que mandato é espécie de representação”.5

Todavia, PONTES DE MIRANDA, seguido por ORLANDO GOMES, discorda desse ponto de vista.
Os respeitáveis mestres ensinam que o contrato de mandato aperfeiçoa-se com o acordo de vontades, no momento em que o mandante estipula os atos a serem praticados pelo mandatário, e este aceita a incumbência de praticá-los. A outorga de poderes de representação viria em ato separado, ainda que contemporâneo, e consistiria em negócio jurídico unilateral.

PONTES leciona que “(...) se é certo que o mandato é, quase sempre, acompanhado (seguido ou precedido) da procuração, não se há de ter esse acompanhamento como essencial. O mandato pode ser sem a outorga do poder de representação.” 6 Alega que tal é a teoria moderna, nestes termos:

A teoria moderna entronca-se em P. LABAND (...): mostrou ele que os deveres e as obrigações do mandatário nada têm com o poder de representação; a conferência de poder de representação é apenas espécie de outorga de poder, assente em manifestação unilateral de vontade do outorgante.7

Nas palavras de ORLANDO GOMES,

A atribuição desse poder é feita por ato jurídico unilateral, que não se vincula necessariamente ao mandato e, mais do que isso, tem existência independente da relação jurídica estabelecida entre quem o atribui e quem o recebe.8
O contrato tem a finalidade de criar essa obrigação e regular os interesses dos contratantes, formando a relação interna, mas para que o mandatário possa cumpri-la, é preciso que o mandante lhe outorgue o poder de representação.9

Para sustentar a desvinculação, argumenta-se que, por exemplo, uma pessoa pode procurar advogado, celebrar com este contrato de mandato para que venha a representá-la em caso de necessidade, porém não lhe outorgando quaisquer poderes, o que só seria feito diante da necessidade no caso concreto. Estaríamos diante de um mandato sem representação.

Não obstante a consistência do argumento, assim não nos parece ser. Acreditamos que tal seria um caso de contrato preliminar, no qual o que se faz, em verdade, é prometer a celebração de um contrato de mandato futuro.

Mesmo que se aprimore o exemplo, e proponha-se que uma pessoa pode procurar advogado, celebrar contrato de mandato com este para que venda um imóvel, optando, todavia, por lhe outorgar poderes somente em momento posterior, digamos, dali a dois dias, ainda assim insistimos tratar-se de contrato preliminar. É que, mesmo assentindo em realizar a venda, o advogado nada poderia fazer antes de receber a outorga de poderes. Ora, estaria mesmo impedido de cumprir sua obrigação contratual, fosse o contrato principal. Contudo, segundo afirmamos, trata-se de contrato preliminar, pelo qual o advogado obriga-se a celebrar contrato de mandato futuro, o que se dará no momento em que receber a outorga de poderes, aí sim se obrigando à prática do ato.

Cumpre ressaltar, entretanto, que tal contrato preliminar é revestido das mesmas peculiaridades que contornam o mandato. Este é contrato baseado na fidúcia, o qual quaisquer das partes podem extinguir, a qualquer tempo, observadas as devidas formalidades, por meio de revogação (mandante) ou renúncia (mandatário), salvo se a irrevocabilidade derivar da própria lei.10 A lógica jurídica, destarte, requer se considere que também o contrato preliminar de mandato é baseado na fidúcia, de maneira que o contrato principal pode não ser celebrado caso qualquer das partes perca a confiança que tem na outra, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos, se for o caso. 

REFERÊNCIAS E NOTAS

1 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Obrigações. ed. histórica. Rio de Janeiro: Rio, 1977. P. 270.
2 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações, 2.ª parte. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. P. 245.
Id. ibid. P. 245.
4  PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1975. P. 350.
5  FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 8. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. P. 535.
6  MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XLIII. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1963. P. 9.
7  MIRANDA. Op. Cit. P. 8.
8  GOMES, Orlando. Contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. P. 414.
9  GOMES.Op. cit. P. 414.
10 Carece esclarecer que, não sendo irrevogável por força de lei, o mandato pode sê-lo por convenção. Nesse caso, entretanto, permanece revogável a qualquer tempo; contudo, caso se revogue, gerará responsabilidade por perdas e danos.

6 comentários:

  1. Parece-me um tanto quanto descabida a discussão se há ou não mandato sem representação. A meu ver, o exercício do mandato, enquanto tal, requer necessariamente que tenha sido conferido ao mandatário poderes para agir em nome do mandante. Mesmo que a lei não exija a formalização do ato de outorga de representação (via procuração), esta deverá ter havido, caso contrário, o pretenso mandatário estará agindo em seu próprio nome (e, portanto, por sua conta e risco) e não em nome do mandante.
    Creio que a função do instrumento de mandato seria a de legitimar, erga omnis, a representação que foi conferida no momento em que o mandatário expressou sua vontade e o mandatário a acatou (a meu ver, neste momento é que se configura o mandato). Não havendo previsão legal deste instrumento para a realização pelo mandatário de um ato jurídico em nome do mandante, a procuração seria desnecessária e, ainda assim, teríamos um mandato e, portanto a representação.

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  2. Inicialmente, cabe dizer que, pelo art. 653, CC, estou considerando que os mandatos exemplificados foram feitos mediante procuração.
    A respeito da discussão, concordo EM PARTE com o autor do post. Isso porque o fim precípuo de um mandato é a representação, sendo esta um elemento natural desse tipo de contrato.
    Assim como não faz sentido pensar em uma compra e venda sem a entrega do bem e o pagamento do preço, não faz sentido pensar em um mandato sem a outorga de poderes, mesmo que tal outorga esteja condicionada por elementos acidentais (termo, condição, etc). Discordo apenas no que tange à promessa de compra e venda.
    Creio ser impróprio tratar da questão como se fosse um contrato preliminar, principalmente quando o exemplo utilizado é o de um mandato dado a um advogado.
    Para mim, o primeiro exemplo se trata de um caso de contrato com elemento acidental, qual seja, condição (a existência de um litígio). O segundo caso, por sua vez, é de um contrato com termo inicial diferente da data de celebração.
    Ora, não há falar em contrato preliminar por dois motivos. O primeiro é que, no caso de uma promessa de contrato, seria necessária a celebração de um outro contrato futuro, o que não me parece ser uma atitude lógica a ser tomada por alguém que busca um advogado ou um mandatário (seria demasiadamente trabalhoso exigir que a pessoa celebrasse um contrato preliminar, para depois celebrar um contrato de mandato), quando uma pessoa busca ser representada, o faz por algum tipo de impossibilidade, seja de comparecer para a prática de um ato, seja por ausência de algum tipo de conhecimento imprescindível para tal. Exigir que a pessoa celebre, primeiro, um contrato preliminar para, depois, no momento do termo inicial celebrar o contrato de mandato em si não faria sentido na maioria dos casos.
    Isso sem falar na inutilidade prática de tal medida, afinal, o que se buscaria resguardar com a promessa de contrato no caso do mandato? Os efeitos práticos que o descumprimento do contrato preliminar gera(indenização no caso de prejuízo, art. 465) também são gerados, neste caso, pelo descumprimento do contrato por parte do mandatário (art. 667).
    Nesse sentido, não vejo qualquer óbice legal para que esse tipo contratual possua os elementos acidentais do termo e da condição, que são os aplicáveis aos exemplos dados.
    Não obstante, no caso do advogado, em que a manifestação de vontade é presumida no caso de silêncio, haverá claro conflito à aplicação do art. 466, CC, razão pela qual, não vejo como considerar a existÊncia de uma promessa de contrato nos casos dos exemplos. Entendo ser o caso de simples presença de elementos acidentais.

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  3. A meu ver a discussão promovida é sim interessante, principalmente porque o que é discutido é a lógica que se opera um mandato, que a meu ver está necessariamente ligado a outorga de poder. Sem a outorga de poder não há mandato e em minha opinião a outorga de poder por si só já configura o mandato. Pensando que se alguém pede a outrem que faça algo que faz parte do mundo jurídico, por exemplo, realizar uma compra em nome de outra pessoa, ou prestar uma atividade em nome de outra pessoa que lhe outorgou poder, como pegar um livro que fora comprado em uma livraria para entregar para o comprador, já configura a relação jurídica.
    Isso posto não creio que seja possível que o mandato seja configurado em uma promessa futura de prestação de serviços advocatícios, tal como o que foi exposto acima, a outorga de poderes somente se configura no momento em que o fato que foi previsto se configura, antes o que temos é somente uma promessa de prestação de serviço e não uma verdadeira outorga de poderes. O advogado não poderá atuar em nome do contratante sem que seja observado a implementação de uma condição essencial anterior seja esse fato um termo inicial ou uma condição.
    A meu ver a procuração é somente um instrumento jurídico que comprova a existência de uma condição que foi estabelecida pelas partes em um momento anterior e não um elemento essencial para a configuração de uma situação jurídica. Ela existe somente não foi colocada no papel, dizendo de maneira corrente.
    A grande questão discutida é se há representação no momento em que se estabelece o contrato, para mim isso é irrelevante , tendo em vista que é o momento da outorga de poder que é o fato gerador jurídico para configurar os fatos. Logo estabelecer uma condição ou um termo pertence a uma questão contratual e não tange o mandato e nem o constitui.

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  6. Discordo dos argumentos apresentados pelos caros colegas Lucas e Jonas para sustentar que o contrato de mandato implica necessariamente na existência de representação.
    Entendo que a representação é, sim, conforme afirmaram os colegas, essencial para a realização do contrato de mandato.
    Por outro lado, analisando os argumentos expostos pelo autor, compartilho da mesma opinião, qual seja, é possível que haja um contrato preliminar de mandato em que, num primeiro momento, inexiste representação.
    Creio que, apesar de fazer todo sentido a discussão suscitada, o legislador optou por simplificar o contrato de mandato visando a eficácia deste. Afinal, desnecessária é (nesse ponto tenho que concordar com o Jonas) a celebração de um contrato preliminar.
    Valendo-me do mesmo exemplo utilizado no texto, entendo que seria trabalhoso demais procurar um advogado para celebrar contrato preliminar, uma vez que, se a vontade é de ser representado, o contrato principal de mandato se amolda mais adequadamente à situação.
    Além do mais, o contrato de mandato é baseado na fidúcia e, consequentemente, admite distrato unilateral. Dessa forma, o contrato preliminar de procuração geraria o mesmo ônus do contrato principal (qual seja, suportar perdas e danos em caso de distrato) sem, contudo, oferecer o mesmo bônus (qual seja, efetivamente configurar a representação).

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